sábado, 8 de janeiro de 2011

Do Entendimento

"Quanto a mim, quando entro profundamente no que chamo de eu próprio, deparo sempre com uma qualquer percepção específica de calor ou frio, luz ou sombra, amor ou ódio, dor ou prazer. Nunca sou capaz de me encontrar sem uma percepção, e nunca sou capaz de observar nada além da percepção. Quando as minhas percepções são removidas durante algum tempo, como por exemplo durante o sono profundo, torno-me insensível quanto a mim e poderá dizer-se verdadeiramente que não existo. E caso todas as minhas percepções fossem removidas pela morte, e não pudesse pensar, nem sentir, nem ver, nem amar, nem odiar após a dissolução do meu corpo, eu seria completamente aniquilado, e não concebo o que mais seria necessário para me tornar uma absoluta não-entidade. Se alguém, após séria e objectiva reflexão, considerar que tem uma noção diferente de ele próprio, devo confessar que deixarei de poder dialogar com ele. Só poderei conceder-lhe que ele poderá ter razão, tanto quanto eu, e que somos completamente diferentes nesse ponto. Ele poderá, talvez, apreender algo simples e continuado a que chama ele próprio, embora eu tenha a certeza de que tal princípio não existe em mim."

Tratado sobre a Natureza Humana
Hume

domingo, 2 de janeiro de 2011

Eterno Retorno

"E se um dia ou uma noite um demónio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demónio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele transformar-te-ia e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

A Gaia Ciência